domingo, 20 de novembro de 2011

QUAL É O VERDADEIRO SIGNIFICADO DA CORRUPÇÃO

Para Maquiavel, a veracidade foge à égide da virtude política, sendo relevante a coragem e a habilidade do príncipe; ou seja, “a força do leão e a astúcia da raposa.”17 Ele não enxergava o poder como algo restrito somente ao uso da força, mas também à sabedoria de empregá-la, à sua utilização virtuosa: “o poder se funda na força mas é necessário ‘virtù’ para se manter no poder.”18 Ao príncipe virtuoso, então, cabe o dever de saber agir conforme as circunstâncias e aparentar ter as qualidades que seus governados estimam – dessa forma, vícios podem se tornar virtudes. Assim, vício e força são as exigências para o agir virtuoso, pois eles provém tanto da ação racional do homem quanto da ação instintiva do animal. Em outros termos, é uma agir concomitante entre a força do leão (que aterroriza os lobos) e a astúcia da raposa (que procura conhecer os lobos) e cujo fator precípuo é o bem comum e a manutenção do Estado que, além da política, era uma das maiores preocupações de Maquiavel.
Quanto a Hannah Arendt, ela afirma que mentira não é um expediente acidental mas uma tentação que não conflita com a razão, pois as coisas poderiam ser conforme o mentiroso as conta. Para ela, a verdade factual é a verdade política, e seu antagônico seria a mentira.
Defende, ainda, que a ação requer imaginação; e que esta, por sua vez, estimula o senso crítico e faz com que os fatos se tornem passíveis de transformações. Assim, para Arendt, o político não mente e sim omite determinados assuntos como forma de proteger a verdade factual.
Análise feita, resta-nos, por fim, abordar o conceito de corrupção dentro do contexto histórico brasileiro.
No que diz respeito à história, numa breve retrospectiva, “ressalta-se [nos tempos da Colônia] que muitas vezes o Rei procurou se utilizar dos Tribunaisde Inquisição, que alcançara o seu apogeu àquela época, para punir os acusados de traição a Corte; entretanto sabemos que o Santo Ofício não fora conhecido pelos seus métodos ilibados, razão pela qual eram freqüentes as falsas acusações com o objetivo vil de confiscar os bens do acusado e de sua família que nada podia fazer senão deixar-se expropriar pela Igreja e pelo Estado.”
Com o advento da Independência, era chegada a vez em que nobres e ministros usariam desse tipo de perfídia (a corrupção) para atingirem seus anseios e saciarem sua sede de poder.
Veio a República e com ela o coronelismo, esse germe do Império que, aqui, tomava vulto e estreitava, paulatinamente, o círculo vicioso do chamado tráfico de influências. Foi durante esse período, que o funcionalismo público (moeda de troca para os políticos) cresceu, corroborando de maneira decisiva para o aumento da corrupção uma vez que o processo seletivo para a escolha dos funcionários se dava, via de regra, por meio do patronato e do clientelismo. E via-se, ainda, o uso costumeiro, por parte do governo, de matérias jornalísticas encomendadas que tratavam da manutenção de sua boa imagem.
Após a Segunda Guerra, com o fantasma do comunismo assombrando grande parte da sociedade brasileira – em especial àquelas do Sul e do Sudeste –, grupos de direita, associados a militares cujo governo João Goulart lhes havia causado um enorme infortúnio, articulam e executam o Golpe (Civil) Militar de 1964, tendo por co-adjuvante os Estados Unidos – através de seus agentes –, como narrou Darcy Ribeiro (chefe de gabinete do governo Goulart): “a sedição é articulada tecnicamente em Washington, com o vasto assessoramento científico, como a primeira operação complexa de desestabilização de governos sul-americanos.”
Há quem diga que tal sedição fora “contra o PTB, sua prática política e suas lideranças. O partido surgiu aos olhos dos militares como um inimigo a ser combatido. A ruptura constitucional foi uma reação aos compromissos dos trabalhistas com as esquerdas no clima da Guerra Fria, as alianças que tentaram com os setores militares, as propostas de fazer dos trabalhadores o sustentáculo privilegiado do poder e a estratégia de atuar pela via da participação direta. Além disso, o PTB era o partido que estava no poder.”
E a questão democrática, dentro desse contexto, “não estava na agenda da direita e da esquerda (...) [ambas] ‘subscreviam a noção de governo democrático apenas no que servisse às suas conveniências. [Nenhuma delas] aceitava a incerteza inerente às regras democráticas.”’
Durante o governo militar, com o crescimento do funcionalismo público devido a criação de empresas estatais e do implemento de novos projetos, tornou-se comum o uso do “bakshish” 25 – modo de agir de alguns homens públicos em que se procurava criar dificuldades para se vender facilidades –, o que acabou levando a
Administração Pública a um descrédito cada vez maior.
Com a abertura democrática da década de oitenta, a promessa de moralização do país feita por Tancredo Neves não passou de uma falácia. O governo de José Sarney, seu vicepresidente e sucessor, foi marcado pela proliferação das CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito).
Do governo de Collor de Melo (o eterno caçador de marajás) em diante, muito outros escândalos de corrupção vieram a público: desfalque da Previdência; desvio de verbas para o combate à seca (Inocêncio de Oliveira – PFL/PE); desvio de verbas de obras públicas (Romero Jucá – PSDB/RR e atual ministro da Previdência – e Valdemar André Johansson – diretor administrativo e financeiro da ELETRONORTE –, Luís Estevão de Oliveira Neto – PMDB/DF – e o juiz Nicolau dos Santos Netos, Paulo Salim Maluf – PPB/SP – e Celso Pitta – ex-prefeito de São Paulo); escândalo dos precatórios (Wagner Baptista Ramos – ex-coordenador da dívida pública municipal e testa de ferro do banco Vetor –, Paulo Afonso Vieira – ex-governador de Santa Catarina – , Divaldo Suruagy – ex-governadora de Alagoas –, Miguel Arras – ícone da esquerda e ex-governador de Pernambuco); proposta de oficialização do nepotismo com “cotas” para contratação de parentes (Michel Temer – PMDB/SP); proposta de aumento do teto salarial, cabendo a cada um dos três poderes fixar seu próprio piso (Severino Cavalcante – corregedor da Câmara dos Deputados, na época – 1999 –, e seu atual presidente); compra de votos na reeleição de 1997 (Luís Eduardo Magalhães – ex-presidente da Câmara e já falecido –, Pauderney Avelino – deputado amazonense –, Sérgio Motta – ex-ministro das comunicações e, também, já falecido –, Amazonino Mendes – ex-governador e ex prefeito do Amazonas –, Orleir Carneli – exgovernador do Acre –, Ronivon Santiago e João Maria – deputados do Acre que receberam propina de R$ 200 mil); etc. Outros tantos casos de corrupção também vieram à tona nesse período, desmascarando a formação de verdadeiras quadrilhas que contavam com elementos infiltrados nos mais variados setores do Estado e que dispunham de um verdadeiro arsenal tecnológico para atingirem o objetivo maior de se lucupletarem às custas do patrimônio público.
Nos dias de hoje, ainda nos deparamos com os “fantasmas” do passado e do presente, com os desvios de verbas, com os enriquecimentos ilícitos, com as evasões de divisas e lavagem de dinheiro e com tantas outras formas de perfídia, de pilhagem e de engodo. Mas até quando iremos continuar assistindo (inertes) a tudo isso? Até quando permaneceremos alheios, como se alijados fôssemos de historicidade e da história?
Uma boa definição de corrupção, sob o ponto de vista da história, seria um mosaico harmonioso de tudo aquilo que já foi colocado anteriormente pela etimologia, pela filosofia e pela política. Assim, entender-se-ia por corrupção aquele expediente escuso utilizado por indivíduos das mais variadas classes sociais, etnias ou castas que, conhecendo e assenhorando-se de normas jurídicas e teorias diversas, procuram auferir lucros (vantagens) e atingir objetivos (resultados) por meio de ações consideradas lícitas, mas que não passam de viciosas, pois encontram-se pautadas numa leitura disvirtuada de tais normas e no uso de artifícios (a mentira, por exemplo) que procuram a todo custo legitimá-las (adequação dos meios aos fins) e que vão de encontro a um dos argumentos defendidos pela ética (o dos princípios preestabelecidos), transformando, dessa forma, a ordem natural das coisas, a relação sociedade-Estado, o conceito de verdade e de mentira e o significado do que conhecemos por certo e justo em nome da defesa da verdade factual.
Podemos observar, diante do que foi por hora exposto, o quanto complexo é o tema que trata da corrupção, bem como a constituição de uma frente de combate a tal vício da sociedade brasileira. Nota-se, ainda, que seus agentes estão em todos os lugares e ocupam as mais variadas posições dentro dessa sociedade. Daí a necessidade de recorrermos à filosofia, à política, à ética, à história e, quiçá, à psicologia para melhor obtermos uma compreensão dos mecanismos que levam esses homens a se desvirtuarem – a ponto de transformarem a ordem natural das coisas – e preterirem princípios balizados na tradição e nos costumes por resultados fundamentados por uma ética de responsabilidades. E o que o torna paradoxal é justamente o fato de ser, como veremos mais adiante, a liberdade o grande facilitador para tal malogro social; essa mesma liberdade que é tão estimada pela democracia e que, se de um lado, procura correlacionar o direito à informação à liberdade de opinião e expressão, estimulando a igualitária participação da cidadania na esfera pública, de outro, contrapõe esse mesmo direito, inerente aos governados, ao direito de mentir dos governantes, fomentando, dessa forma, a desconfiança na veracidade dos fatos que, por sua vez, estreme os alicerces do poder e leva as sedições – a confiança na veracidade é o elemento fundamental e fundante da relação entre pessoas, pois é através dela que o poder se instaura, a partir do agir em conjunto.
NOTAS
1. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa . 2ª. ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1986, p.
2. ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 214.
3. ARISTÓTELES. “Exame das Duas Repúblicas de Platão”, In. Tratado da Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 267.
4. PLATÃO. “Livro Oitava”, In A República. Bauru (São Paulo): edipro, 2000, p. 306.
5. Idem, p. 308.
6. Ibdem, p. 308.
7. ARISTÓTELES. op. cit, p. 267.
8. Idem, p. 268.
9. Ibdem, p. 269.
10. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. op. cit, p. 819.
11. “Para que exista o poder coercivo do Direito em uma dada sociedade é necessário que um número mínimo de pessoas o aceite voluntariamente. Isto não significa que só existirão estes, na verdade no sistema existirão sempre aqueles que obedecerão às normas por uma questão de consciência e aqueles que as obedecerão pelo receio da sanção; e o sistema será tanto mais justo quanto maior for o número dos primeiros. A estabilidade jurídica dependerá em parte de certa correspondência com a moral, apesar de nem sempre esta estar presente”. (TEIXEIRA, Alessandra Moraes. “A corrupção como elemento violador dos direitos humanos no cenário internacional”. In. Âmbito Jurídico, 2001 – Apud. HART, Hebert L.A. In. O Conceito do Direito. Oxford: Claredon Press, 1961, p. 220).
12. TEIXEIRA, Alessandra Moraes. “A corrupção como elemento violador dos direitos humanos no cenário internacional”. In. Âmbito Jurídico, 2001 [Internet]. www.ambitojuridico.com.br/aj/di0004 acesso, abr/2005.
13. LAFER, Celso. “A Mentira – um capítulo das relações entre a ética e a política”, In. Ética Org. Adauto Novaes. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 229.
14. Idem, p. 230.
15. Ibdem, p. 230.
16. Ibdem, p. 231.
17. MACHIAVELLI, Niccolò Di Bernardo Dei, 1469-1527. O Príncipe. Tradução de Roberto Grassi. 10ª.n ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1985, cap. XVIII.
18. WEFFORT, F. (Org.) “Nicolau Maquiavel: o Cidadão sem fortuna, o intelectual de virtù, In. Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, 1989, p. 23.
19. HABIB, Sérgio. Brasil: Quinhentos Anos de Corrupção. Porto Alegre: Safe, 1994, p.7.
20. Idem, p. 28.
21. “Era a corrupção das consciências, exercida, não à penumbra das alcovas, como os vícios pudendos, nos alcoies, pelos libertinos, mas à luz da publicidade, justamente com aliciação da publicidade e em prostituição da publicidade.” (BARBOSA, RUI – Apud. HARBIB, Sérgio. op. cit, p. 30).
22. In. Aos Trancos e Barrancos. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1985. Apud. HABIB, Sérgio. op. cit, p. 42.
23. FERREIRA, Jorge. “O Governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964”. In. FERREIRA e DELGADO.
O Brasil Republicano. Vol. 3 – “O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 Apud. D’ARAÚJO, Maria Celina. Sindicatos, carisma e poder: o PTB de 1945-65. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 140.
24. In. FERREIRA, Jorge. op. cit, 400 (Apud. FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. Democracia ou reformas? Alternativas democráticas à crise política: 1961-1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993, p.202).
25. LOBO, Haddock. História Econômica Geral do Brasil. São Paulo: Atlas, 1967, p. 371 (Apud. HABIB, Sérgio. op. cit, p. 44.
No tópico anterior, colocamos que a ética da responsabilidade conduz o político à ação, que para a política o que prevalece são os resultados e que o problema da ética de responsabilidade assentava-se na avaliação dos resultados de ações que vão contra os princípios não dirimíveis pelo tempo e pelos historiadores. Pois bem, ao fazermos uma pequena observação acerca dessas questões, podemos destacar a existência de duas relações distintas: a relação responsabilidade-ação; e a relação ação-resultado. Na primeira, distinguem-se duas interpretações: a do compromisso do político para com a sociedade que o elegeu e que nele deposita sua confiança e esperança; a do seu posicionamento diante de situações em que ocorram quebra de decoro. Já na segunda relação, nos deparamos com as conseqüências oriundas de uma boa ou má ação praticada por esse homem público, ou seja, se este homem, durante seu mandato, agir com honradez e em favor da coletividade – e é o que se espera dele –, cativará nesta apreço e confiança – e a confiança na veracidade, como já foi colocado, é o elemento fundamental e fundante da relação entre pessoas; agora, se ele agir em benefício próprio, em função do cargo que ocupa, e utilizar de subterfúgios, bem como da legislação existente (Constituição, Leis Específicas, Estatutos etc.) para encobrir seus feitos e esquivar-se da responsabilidade, este homem despertará em seus concidadãos desprezo, desconfiança, repúdio, quebrando-se o elo unificador Estado-povo.
Evidenciam-se nesses dois casos, aquilo que Max Weber tipificou como sendo uma ação racional com relação a fins e uma ação racional com relação a valores. A primeira, segundo ele, é “determinada por expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo exterior como de outros homens, e utilizando essas expectativas como ‘condições’ ou ‘meios’ para alcançar fins próprios e racionalmente avaliados e perseguidos.” A segunda, por sua vez, é “determinada pela crença consciente no valor – ético, estético,religioso ou de qualquer outra forma como seja interpretado – próprio e absoluto de determinada conduta, sem relação alguma com o resultado, ou seja, puramente em consideração desse valor.”

Fonte
MENÇÃO HONROSA - DEFESA DA CONCORRÊNCIA


Tema: O Combate à Corrupção no Brasil: Desafios e Perspectivas

AUTORA: Christiane Nogueira Travesedo Cardoso

Tabatinga - AM

Brasileira: Uma Sociedade Sob o Estigma da Corrupção

I Concurso de Monografias e Redações

Controladoria Geral da União 2005





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