domingo, 20 de novembro de 2011

TIRE AS SUAS PROPRIAS CONCLUSÃOES

Diante do que foi aqui espraiado acerca da problemática da corrupção , sob o ponto de vista epistemológico, o que podemos perceber é a predominância de um conflito teórico entre as mais variadas ciências humanas – sociologia, psicologia, filosofia, história etc. Todavia, é interessante notar nesse conflito as concordâncias e antagonismos que ele comporta e que estão relacionados a conceitos chaves – liberdade, ação humana, ação social, racionalização, felicidade, responsabilidade, verdade, mentira, vícios etc. – que foram defendidos de maneira diferenciada pelos grandes pensadores do passado.
Assim sendo, enquanto que, para a filosofia, corrupção seria uma modificação na ordem natural das coisas, uma espécie de desvio de conteúdo (Aristóteles), um agir disvirtuoso (Maquiavel), um se deixar levar por prazeres, desejos e paixões – supérfluos – que não são seus por encontrar-se sua alma vazia de ciência, de ocupações nobres e de princípios verdadeiros (Sócrates), um agir contrário à lei moral que visa o estabelecimento de um acordo entre os desejos do homem e a ordem da natureza cuja finalidade é se atingir o Soberano Bem (Emmanuel Kant), uma espécie de degeneração da razão que, movida pelas paixões, põe de lado a moral e a virtude para lançar-se numa busca frenética pelo poder (Rousseau), para a psicologia, ela seria um desvio de personalidade que ocorre quando o Ego não consegue experimentar o prazer solicitado pelos instintos naturais sem ir ao extremo de violar os princípios válidos de sua consciência moral; seria um agir inconsciente.
Já na órbita da Igreja, a corrupção vem a ser o resultado da liberdade excessiva do homem e da sua falta de preparo para lidar com ela.
Numa linguagem mais moderna, a corrupção é definida como sendo um desvio de conduta (de comportamento) praticado por um indivíduo que, movido pelo desejo de obter vantagens indevidas, utiliza-se de expedientes que contrariam a qualquer tipo de normalização (ética, jurídica, consuetudinária) para atingir seu objetivo.
Vimos também, que pra a política o que importa são os resultados e que o agir virtuoso requer vício e força (Maquiavel); que a mentira é um remédio para o bem-estar comunal e um direito – circunstancial e inalienável – dos governantes (Platão), bem como
uma tentação que não conflita com a razão, pois as coisas poderiam ser conforme o mentiroso as conta (Hannah Arendt); que a ação requer imaginação, criatividade (Arendt); e que, para a história, a corrupção é uma mazela, uma praga que permeia a sociedade brasileira desde os tempos da Colônia – isso sem se falar da conceitualização etimológica.
Quando procuramos encontrar o que motivava a ação corrupta, novamente nos deparamos com uma pluralidade de respostas.
Para a sociologia weberiana, a causa da corrupção está relacionada com a ação racional com relação a fins. A racionalização era de suma importância para Weber. Ele não concebia o mundo sem ela. Para ele, “a racionalização é obra contingente de certo tipo de homens que a podem eventualmente transmitir ao resto da Humanidade. Mas nada tem a ver com o destino inelutável do desenvolvimento do mundo.”1 Ela é, ainda, segundo ele, uma forma de desencantamento do mundo – junto com a intelectualização, Weber dizia que a racionalização despoja o mundo de um encanto que se procura substituir pela ênfase no militantismo (talvez repouse aí a centelha da sedição e da revolução); e é à racionalidade das condutas (econômicas ou políticas, sociais e legais) que o capitalismo social moderno deve toda a sua singularidade.
Para Freud, essa causalidade está no fato do homem não conseguir manter em perfeito equilíbrio as forças instintivas do Id e do Supergo, sendo levado, então, a agir de maneira delinqüente e contrária aos princípios válidos de sua consciência moral. Observa, ainda, que essa transgressão do comportamento humano ocorre de maneira inconsciente, porque, segundo ele, o homem é fundamentalmente irracional e essencialmente instintivo, sendo seu comportamento determinado por fatores (ou variações) que escapam à sua consciência, como, por exemplo, o meio. E, para a psicologia, o meio é uma das varáveis que influenciam a estruturação e a dinâmica da personalidade.
Para Sócrates, o que move a ação corrupta é a excessiva liberdade, tolerância e
generosidade do homem democrata. Aristóteles também compartilhava, em parte, desse
mesmo pensamento quando dizia ser “a excessiva liberdade ou licença de fazer impunemente o que se quer” as causas que levam às sedições e às revoluções, conseqüências oriundas do agir corrupto. No entanto, atribui, também, tal causalidade àquilo que chamou de “outros tipo de injustiça”, esta proveniente da partilha do poder entre pobres e ricos.
Maquiavel, ao contrário de Sócrates, não vê na liberdade a causa precípua da corrupção na sociedade. Para ele, o problema está na natureza humana que considerava vil, mesquinha, ambiciosa e covarde.
Também Kant era contrário aos postulados que apresentava a liberdade como a grande
causadora dos males da sociedade e colocava o homem como um ser despreparado para lidar com ela. Debatia-os, afirmando ser esses pressupostos a base do discurso de todo e qualquer déspota para justificar a sua dominação. Primando pelo comportamento ético-religioso do homem, embora sem abrir mão da razão, que, para ele, é a fonte das proposições universais e necessárias (ou seja, ela produz por si mesma o conhecimento – os que são a priori), Kant chama-nos a atenção para a sujeição do homem a um padrão de moralidade; e a moral está afeta às ações humanas. Estas, por sua vez, estão ligadas as nossas vontades que, acrescidas de virtudes, nos conduzem ao Soberano Bem, ou seja, à felicidade – e esta depende estritamente de nossa conduta moral. Assim, para Kant, o que causa a ação corrupta são as inclinações sensíveis da vontade humana que atuam contrariando as normas morais.
Por fim, para Rousseau, o problema assentava-se no progresso das ciências – que ele nos apresenta como sendo um saber descompromissado com o conhecimento de fato – e das artes, visto por ele como o corruptor dos costumes e dos homens, porque à medida que o mundo evolui, que o “novo” entra em cena desperta no homem o desejo (a cobiça), este, por sua vez, precisa ser satisfeito, porém, em muitas das vezes, o agir em conformidade com as normas morais não significa sua plena realização, daí as transgressões às regras preestabelecidas. Isso ocorre, segundo ele, quando da relação social: é a partir dái que começam a surgir as idéias de mérito e de beleza e, por conseguinte, os sentimentos de preferência, início das desigualdades. E conclui que não só no progresso das ciências e das artes, mas também no surgimento da propriedade privada dos bens – que, para ele, não deixa de ser um dos resultados desse progresso – encontram-se as causalidades da corrupção na sociedade civil.
Mas o que se torna relevante dentro da forma aqui adotada de apresentação da problemática da corrupção – e de seu posterior combate – no contexto da sociedade brasileira, é a necessidade de se saber “reconhecer os acontecimentos da história, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes vitórias, as derrotas mal digeridas, que dão conta dos ativismos e das hereditariedades (...) [porque] a história, com suas intensidades, seus desfalecimentos, seus furores secretos, suas grandes agitações febris como suas síncopes, é o próprio corpo do devir.”
Assim, torna-se imperativo, como uma das formas de combate à corrupção no Brasil, a
oportunidade do conhecimento – no sentido mesmo epistemológico do termo. Mas não se trata, aqui, do conhecimento mascarado, pela metade, já “pronto de fábrica” (ou melhor, de editora), e sim do conhecimento que tire o homem da menor idade cognitiva, que o faça dominara conceitos, que o retire do senso comum e o leve à compreensão intelectual de umaatividade racional, que o leve à práxis. Porque o homem, já dizia Feuerbach, é a fonte da capacidade infinita de conhecer. (Eis o primeiro e, talvez, o maior de todos os desafios a que os governantes compromissados com a coisa pública terão de enfrentar se quiserem realmente combater à corrupção em nossa sociedade, tornando-a, por assim dizer, mais justa).
Maquiavel, dentro do seu século (XVI), já havia proposto uma forma (torta) de se
combater a corrupção. Esta consistia na instituição de um governo forte cuja função seria regeneradora e “educadora”. Todavia, é significativo lembrar, que a sociedade brasileira já vivenciou um governo desse tipo e nem por isso a corrupção deixou de existir. Uma outra proposta de combate à corrupção seria a implementação de um órgão de auditoria pública totalmente independente, onde seus fiscais, todos investidos mediante concurso público, teriam plena liberdade de ação em quaisquer instituições públicas ligadas às três esferas de poder, aos Estados, Municípios e Distrito Federal, inclusive àquelas paraestatais, empresas de economia mista e fundações públicas. (Eis mais um desafio, pois tal empreitada irá mexer com interesses diversos).
Outros recursos, ainda, seriam: a admissão para cargos de chefia destinada somente a funcionários da carreira e mediante merecimento, apreciação de ficha funcional e comprovação de conduta ilibada; maior agilidade dos processos e facilidade de acesso às provas; cooperação internacional e intercâmbio de idéias – isso valendo também entre a União, os Estados e os Municípios; atualização da legislação (por exemplo, o Código Penal); implementação de um contrapoder (a exemplo daquele proposto por Konder Comparato) onde o povo atue como fiscal e pessoa capaz de ingressar com ação civil pública contra os casos de corrupção e outros que vá de encontro aos interesses da coletividade – para tanto, faz-se mister o máximo de transparência na gestão da res pública; enfim, mais rigor no trato da coisa pública. (Novos desafios que, uma vez postos em prática, encontrará muitos opositores).
Não sabemos se tais proposições surtirão efeitos satisfatórios, as perspectivas são grandes. Contudo, é importante salientarmos que tão importante quanto o combate à corrupção no Brasil é fazer despertar na nossa gente o sentido de cidadania, a consciência histórica e o pensamento crítico; é fazer despertar a práxis. Foi esse o objetivo segundo deste trabalho. Agora, só nos resta esperara e colher os frutos.
Fonte:
MENÇÃO HONROSA - DEFESA DA CONCORRÊNCIA

Tema: O Combate à Corrupção no Brasil: Desafios e Perspectivas
AUTORA: Christiane Nogueira Travesedo Cardoso
Tabatinga - AM
Brasileira: Uma Sociedade Sob o Estigma da Corrupção
I Concurso de Monografias e Redações
Controladoria Geral da União 2005




Nenhum comentário: