terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Ataque aéreo na Síria mata chefe do EI ligado aos atentados de Paris

A coalizão confirmou que dez jihadistas foram mortos em ataques com drones. "Os terroristas tinham planos de continuar atacando o Ocidente", disse um coronel dos EUA

Abdelhamid Abaaoud
Abdelhamid Abaaoud, suspeito de coordenar os atentados em Paris e amigo de Charaffe Mouadan, terrorista que foi morto pela coalizão(VEJA.com/AFP)
A coalizão liderada pelos Estados Unidos matou dez comandantes do Estado Islâmico (EI) na semana passada com ataques aéreos específicos, entre eles indivíduos ligados aos atentados cometidos em Paris em novembro, confirmou um porta-voz do Pentágono nesta terça-feira. "Os terroristas tinham planos de continuar atacando o Ocidente", disse Steve Warren, coronel do Exército dos EUA e porta-voz da campanha militar encabeçada pelos americanos contra o grupo radical.
Uma ofensiva aérea da coalizão realizada em 24 de dezembro na Síria matou Charaffe Mouadan, membro do EI sediado em solo sírio diretamente ligado a Abdelhamid Abaaoud, que é apontado como o principal mentor das explosões e disparos coordenados em Paris no dia 13 de novembro que deixaram 130 mortos. Mouadan estava envolvido em planos de novos ataques contra o Ocidente, afirmou o porta-voz.
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Ele seria amigo de um dos terroristas que atacou a casa de espetáculos Bataclan, Samy Amimour, e teria partido para a Síria em agosto de 2013, quando foi indiciado na França. Mouadan nasceu em 15 de outubro de 1989 de pais marroquinos em Bondy, no nordeste de Paris. Foi em Drancy, cidade também próxima da capital francesa, que ele passou sua juventude e foi preso em outubro de 2012, quando se preparava para partir com dois amigos para Iêmen ou Afeganistão via Somália. O trio se radicalizou na internet e Mouadan teve aulas de tiro esportivo em um clube em Paris.
Outro dos terroristas mortos era Abdul Qader Hakim, que facilitou as operações externas dos jihadistas e tinha laços com a rede que cometeu os atentados na capital francesa, segundo Warren. Ele foi morto na cidade de Mosul, no norte do Iraque, no dia 26 de dezembro.
O efeito dos ataques aéreos contra a liderança do EI pode ser medido pelos êxitos recentes nas frentes de batalha, declarou Warren. Nesta semana o Exército iraquiano obteve sua primeira vitória contra os militantes sunitas extremistas recapturando a cidade de Ramadi, tomada pelo Estado Islâmico em maio. "Parte destes sucessos pode ser atribuída ao fato de que a organização está perdendo sua liderança", disse Warren.
(Da redação)

Renan Calheiros é investigado por lavagem de dinheiro em Maceió O presidente do Senado está na mira do Ministério Público por transação imobiliária suspeita ALANA RIZZO

O Residencial Pátio fica numa viela em uma área industrial deMaceió, em Alagoas. Em seus pilares, a Receita Federal encontrou indícios de que o presidente do SenadoRenan Calheiros, do PMDBde Alagoas, participou de uma operação de lavagem de dinheiro. Uma transação imobiliária entre Renan e o ex-senador Wilson Santiago, seu correligionário no PMDB e hoje diretor de relações institucionais do Grupo Banco do Brasil/Mapfre, chamou a atenção da Receita. Alertada pelos auditores, a Procuradoria-Geral da República remeteu as informações aos procuradores que investigam Renan na Lava Jato. Os procuradores investigam agora a compra e venda de quatro apartamentos do prédio por Renan – e como eles foram parar nas mãos de Santiago, seu filho, o deputado federalWilson Filho, e seus dois irmãos.


Residencial Pátio, em Maceió  (Foto: Pablo De Luca/ÉPOCA)



Wilson Santiago (Foto: Paulo de Araújo/CB/D.A Press)
Foi investigando uma empresa que Renan transferiu para sua mulher, Verônica, que a Receita chegou à transação suspeita. A Tarumã Empreendimentos Imobiliários, criada após a eleição de 2010 para “administrar a compra e venda de imóveis próprios ou de terceiros”, ficou aberta por apenas nove meses. Renan esteve entre os sócios por cinco, passando suas cotas para Verônica em julho de 2011. A Tarumã, aparentemente, não realizou negócio algum. Aparentemente. No cruzamento que a Receita fez entre declarações do Imposto de Renda e dados sobre suas atividades imobiliárias, os negócios apareceram. Os procuradores querem saber de onde veio o dinheiro que permitiu a compra dos imóveis em Maceió e se Renan realmente os comprou antes de revendê-los para a família Santiago.A suspeita de que Renan tenha lavado dinheiro na negociação dos apartamentos se reforça com a atrapalhada resposta dos Santiagos sobre a compra dos imóveis. O deputado federal Wilson Filho é proprietário de uma das unidades que pertenceram a Renan. Em 13 de julho de 2011, Wilson Filho fez uma transferência bancária de R$ 60 mil para uma conta da Caixa Econômica Federal. Em 11 de agosto, outros R$ 60 mil foram depositados. Nesse período, a Tarumã ainda estava aberta. Procurado por ÉPOCA, Wilson Filho ofereceu quatro versões distintas sobre a transação. Primeiro, disse que a empreiteira da família, a Terradrina Construções, tinha comprado os imóveis. Depois, afirmou que tinha adquirido o imóvel para veraneio em Maceió – mas o prédio fica a 15 quilômetros do litoral. Em seguida, garantiu que a operação tinha sido um investimento. Por fim, o deputado disse que o negócio foi feito por seu pai e que só tinha tomado conhecimento depois que fora agraciado com o apartamento.
Wilson Santiago é um antigo aliado de Renan, que o indicou para o recém-criado cargo de diretor de relações institucionais do Banco do Brasil/Mapfre. Também coube a Renan garantir o lugar de Wilson Santiago na Mesa Diretora do Senado durante sua breve passagem pela Casa. Procurado, Renan Calheiros disse que “não comentaria a transação, pois se trata de um negócio particular”. 

Festa dos Canalhas, que reúne peemedebistas de Alagoas, é um fiasco


Após Operação Catilinárias, personalidades do estado preferiram não dar as caras no evento anual

MURILO RAMOS

O médico José Wanderley, um dos organizadores da "Festa dos Canalhas" (Foto: Carla Cleto/Agência Alagoas)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Marcos Valério revela os segredos do mensalão e envolve Lula


O empresário Marcos Valério, apontado como o operador do esquema, diz que, em troca do seu silêncio, recebeu garantias do PT de uma punição branda. Condenado pelo STF por vários crimes, cujas penas podem chegar a 100 anos de prisão, ele revela que o ex-presidente Lula sabia de tudo e que o caixa para subornar políticos foi muito maior: 350 milhões de reais




NO INFERNO - O empresário Marcos Valério, na porta da escola do filho, em Belo Horizonte, na última quarta-feira: revelações sobre o escândalo(CRISTIANO MARIZ/VEJA)
Faltavam catorze minutos para as 7 da manhã da última quarta-feira quando o empresário Marcos Valério, o pivô financeiro do mensalão, parou seu carro em frente a uma escola, em Belo Horizonte. Alvo das mais pesadas condenações no julgamento que está em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), ele tem cumprido religiosamente a tarefa de levar o filho todos os dias ao colégio. Desce do carro, acompanha o menino até o portão e se despede com um beijo no rosto. Chega mais cedo para evitar ser visto pelos outros pais e alunos e vai embora depressa, cabisbaixo. "O PT me transformou em bandido", desabafa. Valério sabe que essa rotina em breve será interrompida. Ele é o único dos 37 réus do mensalão que não tem um átimo de dúvida sobre seu futuro. Na semana passada, o publicitário foi condenado por lavagem de dinheiro, crime que acarreta pena mínima de três anos de prisão. Computadas as punições pelos crimes de corrupção ativa e peculato, já decididas, mais evasão de divisas e formação de quadrilha, ainda por julgar, a sentença de Marcos Valério pode passar de 100 anos de reclusão. Mesmo com todas as atenuantes da lei penal brasileira, não é improvável que ele termine seus dias na cadeia. Valério tem culpa no cartório, mas fica evidente que ele está carregando sobre os ombros uma carga penal que, por justiça, deveria estar mais bem distribuída entre patentes bem mais altas na hierarquia do mensalão. É isso que mais martiriza a alma de Valério neste momento, uma dor que ele tenta amenizar lembrando, sempre que pode, que seu silêncio sobre os responsáveis maiores acima dele está lhe custando muito caro.
Apontado como o responsável pela engenharia financeira que possibilitou ao PT montar o maior esquema de corrupção da história, Valério enfrenta um dilema. Nos últimos dias, ele confidenciou a pessoas próximas detalhes do pacto que havia firmado com o partido. Para proteger os figurões, conta que assumiu a responsabilidade por crimes que não praticou sozinho e manteve em segredo histórias comprometedoras que testemunhou quando era o "predileto" do poder. Em troca do silêncio, recebeu garantias. Primeiro, de impunidade. Depois, quando o esquema teve suas entranhas expostas pela Procuradoria-Geral da República, de penas mais brandas. Valério guarda segredos tão estarrecedores sobre o mensalão que não consegue mais reter só para si - mesmo que agora, desiludido com a falsa promessa de ajuda dos poderosos que ele ajudou, tenha um crescente temor de que eles possam se vingar dele de forma ainda mais cruel. Os segredos de Valério, se revelados, põem o ex-presidente Lula no epicentro do escândalo do mensalão. Sim, no comando das operações. Sim, Lula, que, fiel a seu estilo, fez de tudo para não se contagiar com a podridão à sua volta, mesmo que isso significasse a morte moral e política de companheiros diletos. Valério teme, e fala a pessoas próximas, que se contar tudo o que sabe estará assinando a pior de todas as sentenças - a de sua morte: "Vão me matar. Tenho de agradecer por estar vivo até hoje".

 DE OLHO NO PASSADO - Preso duas vezes desde que eclodiu o escândalo, o empresário Marcos Valério hoje despreza e teme os mensaleiros que ajudou

DE OLHO NO PASSADO - Preso duas vezes desde que eclodiu o escândalo, o empresário Marcos Valério hoje despreza e teme os mensaleiros que ajudou(Paulo Filgueiras/D.A.Press/VEJA)
Sua mulher, Renilda Santiago, já tentou o suicídio três vezes. Há duas semanas, ela telefonou a uma amiga para dizer que iria a um reduto do tráfico encravado na região central de Belo Horizonte comprar uma arma. Avisou que havia decidido dar um tiro na cabeça. Renilda está mergulhada em crise aguda de depressão. Os dois filhos do casal vivem dramas à parte. Meses atrás, o menino, de 11 anos, tentou fazer um teste de admissão em uma escola mais perto de casa, mas a diretora nem deixou o garoto começar a prova. A direção da escola não queria entre seus alunos o filho de Marcos Valério. A filha mais velha, de 21 anos, passou por constrangimentos cruéis. Em um debate na faculdade de psicologia, o assunto escolhido pelos colegas 

constrangimentos cruéis. Em um debate na faculdade de psicologia, o assunto escolhido pelos colegas foi justamente o comportamento do pai dela. Humilhada, ela saiu da sala. Chega a ser assustador, mesmo que previsível, que as pessoas esqueçam a mais consagrada prática cristã, civilizada e jurídica - a de que os filhos não devem pagar pelos erros dos pais. Marcos Valério sofre de síndrome do pânico e praticamente não prega os olhos à noite. Sobre o PT e seus antigos parceiros ele vem dizendo: "Eu detesto esse pessoal. Esse povo acabou com a minha vida, me fez de um tamanho que eu não sou. O PT me fez de escudo, me usou como um boy de luxo. Mas eles se ferraram porque agora vai todo mundo para o ralo". O medo ainda constrange Marcos Valério a limitar suas revelações a pessoas próximas. Até quando?
Mensalão
"O caixa do PT foi de 350 milhões de reais"


PARCERIA - O ex-ministro José Dirceu começa a ser julgado nesta semana. Valério diz que ele era o braço direito do ex-presidente no esquema

PARCERIA - O ex-ministro José Dirceu começa a ser julgado nesta semana. Valério diz que ele era o braço direito do ex-presidente no esquema(Marcos de Paula/AE/VEJA)
A acusação do
Ministério Público Federal sustenta que o mensalão foi abastecido com 55 milhões de reais tomados por empréstimo por Marcos Valério junto aos bancos Rural e BMG, que se somaram a 74 milhões desviados da Visanet, fundo abastecido com dinheiro público e controlado pelo Banco do Brasil. Segundo Marcos Valério, esse valor é subestimado. Ele conta que o caixa real do mensalão era o triplo do descoberto pela polícia e denunciado pelo MP. Valério diz que pelas arcas do esquema passaram pelo menos 350 milhões de reais. "Da SMP&B vão achar só os 55 milhões, mas o caixa era muito maior. O caixa do PT foi de 350 milhões de reais, com dinheiro de outras empresas que nada tinham a ver com a SMP&B nem com a DNA", afirma o empresário. Esse caixa paralelo, conta ele, era abastecido com dinheiro oriundo de operações tão heterodoxas quanto os empréstimos fictícios tomados por suas empresas para pagar políticos aliados do PT. Havia doações diretas diante da perspectiva de obter facilidades no governo. "Muitas empresas davam via empréstimos, outras não." O fiador dessas operações, garante Valério, era o próprio 
presidente da República.
Lula teria se empenhado pessoalmente na coleta de dinheiro para a engrenagem clandestina, cujos contribuintes tinham algum interesse no governo federal. Tudo corria por fora, sem registros formais, sem deixar nenhum rastro. Muitos empresários, relata Marcos Valério, se reuniam com o presidente, combinavam a contribuição e em seguida despejavam dinheiro no cofre secreto petista. O controle dessa contabilidade cabia ao então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, que é réu no processo do mensalão e começa a ser julgado nos próximos dias pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa. O papel de Delúbio era, além de ajudar na administração da captação, definir o nome dos políticos que deveriam receber os pagamentos determinados pela cúpula do PT, com o aval do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, acusado no processo como o chefe da quadrilha do mensalão: "Dirceu era o braço direito do Lula, um braço que comandava". Valério diz que, graças a sua proximidade com a cúpula petista no auge do esquema, em 2003 e 2004, teve acesso à contabilidade real. Ele conta que a entrada e a saída de recursos foram registradas minuciosamente em um livro guardado a sete chaves por Delúbio. Pelo seu relato, o restante do dinheiro desse fundão teve destino semelhante ao dos 55 milhões de reais obtidos por meio dos empréstimos fraudulentos tomados pela DNA e pela SMP&B. Foram usados para remunerar correligionários e aliados. Os valores calculados por Valério delineiam um caixa clandestino sem paralelo na política. Ele fala em valores dez vezes maiores que a arrecadação declarada da campanha de Lula nas eleições presidenciais de 2002.



O presidente
"Lula era o chefe"

PASSADO SOMBRIO - E a tese de que o mensalão não existiu? Valério mostra que Lula não estava sendo fiel aos companheiros, mas tentando salvar a si próprio. Típico

PASSADO SOMBRIO - E a tese de que o mensalão não existiu? Valério mostra que Lula não estava sendo fiel aos companheiros, mas tentando salvar a si próprio. Típico(Diogo Moreira/Folhapress/VEJA)

A ira de Marcos Valério desafia a defesa clássica do ex-presidente Lula de que não sabia do mensalão e nada teve a ver com o esquema arquitetado em seu primeiro mandato. Com a segurança de quem transitava com desenvoltura pelos gabinetes oficiais, inclusive os palacianos, e era considerado um parceiro preferencial pela cúpula petista, Valério afirma que Lula "comandava tudo". Em sua própria defesa, diz que como operador dos pagamentos não passava de um "boy de luxo" de uma estrutura que tinha o então presidente no topo da cadeia de comando. "Lula era o chefe", repete Valério às pessoas mais próximas. A afirmação se choca com todas as versões apresentadas por Lula desde que o esquema foi descoberto, em 2005. Primeiro, escudou-se no argumento de que tudo não passou do uso de dinheiro "não contabilizado" que havia sobrado das campanhas políticas, prática 
suprapartidária e recorrente na política brasileira - não por acaso tem sido essa a estratégia de defesa dos mensaleiros no STF. Num segundo momento, Lula se disse traído e pediu desculpas à nação em rede de televisão.
A rota de fuga de Lula evoluiu mais tarde para a negação completa, com a tese nefelibata de que o mensalão nunca existiu, tendo sido apenas uma armação das elites para abreviar seu mandato. A narrativa de Valério coloca Lula não apenas como sabedor do que se passava, mas no comando da operação. Valério não esconde que se encontrou com Lula diversas vezes no Palácio do Planalto. Ele faz outra revelação: "Do Zé ao Lula era só descer a escada. Isso se faz sem marcar. Ele dizia vamos lá embaixo, vamos". O Zé é o ex-ministro José Dirceu, cujo gabinete ficava no 4º andar do Palácio do Planalto, um andar acima do gabinete presidencial. A frase famosa e enigmática de José Dirceu no auge do escândalo - "Tudo que eu faço é do conhecimento de Lula" - ganha contornos materiais depois das revelações de Valério sobre os encontros em palácio. Marcos Valério reafirma que Dirceu não pode nem deve ser absolvido pelo Supremo Tribunal, mas faz uma sombria ressalva. "Não podem condenar apenas os mequetrefes. Só não sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio e o Zé não falamos", disse, na semana passada, em Belo Horizonte. Indagado, o ex-presidente não respondeu.


Pacto
"Meu contato era o Okamotto"

O CARA - Presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto funcionava como elo entre Marcos Valério e o PT
O CARA - Presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto funcionava como elo entre Marcos Valério e o PT(Eduardo Knapp/Folhapress/VEJA)

Há menos de dois meses, VEJA revelou a existência de encontros secretos entre Marcos Valério e Paulo Okamotto, petista estrelado que desempenha a tarefa de assessor financeiro, ou tesoureiro, de Lula. Procurado para explicar por que se reunia com o principal operador do mensalão, Okamotto disse que os encontros serviam apenas para discutir política. Não, não era bem assim. Marcos Valério tinha um pacto com o PT, e Paulo Okamotto era o fiador desse pacto. "Eu não falo com todo mundo no PT. O meu contato com o PT era o Paulo Okamotto", disse Valério em uma conversa reservada dias atrás. É o próprio Valério quem explica a missão de Okamotto: "O papel dele era tentar me acalmar". O empresário conta que conheceu o Japonês, como o petista é chamado, no ápice do escândalo. Valério diz que, na véspera de seu primeiro depoimento à CPI que investigava o mensalão, Okamotto o procurou. "A conversa foi na casa de uma funcionária minha. Era para dizer o que eu não devia falar na CPI", relembra. O pedido era óbvio. Okamotto queria evitar que Valério implicasse Lula no escândalo. Deu certo durante muito tempo. Em troca do silêncio de Valério, o PT, por intermédio de Okamotto, prometia dinheiro e proteção. A relação se tornaria duradoura, mas nunca foi pacífica. Em momentos de dificuldade, Okamotto era sempre procurado. Quando Valério foi preso pela primeira vez, sua mulher viajou a São Paulo com a filha para falar com Okamotto. Renilda Santiago queria que o assessor de Lula desse um jeito de tirar seu marido da cadeia. Disse que ele estava preso injustamente e que o PT precisava resolver a situação. A reação de Okamotto causa revolta em Valério até hoje. "Ele deu um safanão na minha esposa. Ela foi correndo para o banheiro, chorando." O empresário jura que nunca recebeu nada do PT. Já a promessa de proteção, segundo Valério, girava em torno de um esforço que o partido faria para retardar o julgamento do mensalão no Supremo e, em último caso, tentar amenizar a sua pena. "Prometeram não exatamente absolver, mas diziam: 'Vamos segurar, vamos isso, vamos aquilo'... Amenizar", conta. Por muito tempo, Marcos Valério acreditou que daria certo. Procurado, Okamotto não se pronunciou.
                   Poder
"O Delúbio dormia no Alvorada"

DE OLHO NO PASSADO - O ex-tesoureiro do PT, acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha, pediu a Valério que arrumasse uma empresa para “receber” dinheiro ilegal
DE OLHO NO PASSADO - O ex-tesoureiro do PT, acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha, pediu a Valério que arrumasse uma empresa para “receber” dinheiro ilegal(JB Neto/AE/VEJA)
Dos tempos em que gozava da intimidade do poder em Brasília, Marcos Valério diz guardar muitas lembranças. Algumas revelam a desenvoltura com que personagens centrais do mensalão transitavam no coração do governo Lula antes da eclosão do maior escândalo de corrupção da história política do país. Valério lembra das vezes em que Delúbio Soares, seu interlocutor frequente até a descoberta do esquema, participava de animados encontros à noite no Palácio da Alvorada, que não raro servia de pernoite para o ex-tesoureiro petista. "O Delúbio dormia no Alvorada. Ele e a mulher dele iam jogar baralho com Lula à noite. Alguma vez isso ficou registrado lá dentro? Quando você quer encontrar (alguém), você encontra, e sem registro." O operador do mensalão deixa transparecer que ele próprio foi a uma dessas reuniões noturnas no Alvorada. Sobre sua aproximação com o PT, Valério conta que, diferentemente do que os petistas dizem há sete anos, ele conheceu Delúbio durante a campanha de2002. Quem apresentou a ele o petista foi Cristiano Paz, seu ex-sócio, que intermediava uma doação à campanha de Lula. A primeira conversa foi em Belo Horizonte, dentro de um carro, a caminho do Aeroporto da Pampulha. Nessa ocasião, conta, Delúbio lhe pediu ajuda. "Ele precisava de uma empresa para servir de espelho para pegar um dinheiro." A parceria deu certo e desaguou no mensalão. Hoje, os dois estão no banco dos réus. Valério se sente injustiçado. Especialmente na parte da acusação que diz respeito ao desvio de recursos públicos do Banco do Brasil. Ele jura que esse dinheiro não caiu no caixa da corrupção. "No processo tem todas as notas fiscais que comprovam que esse dinheiro foi gasto com publicidade. Não estou falando que não mereço um tapa na orelha. Não é isso. Concordo em ser condenado por aquilo que eu fiz."
Empréstimo
"O banco ia emprestar dinheiro para uma agência quebrada?"
Os ministros do STF já consideraram fraudulentos os empréstimos concedidos pelo Banco Rural às agências de publicidade que abasteceram o mensalão. Para Valério, a decisão do Rural de liberar o dinheiro - com garantias fajutas e José Genoino e Delúbio Soares como fiadores - não foi um favor a ele, mas ao governo Lula. "Você acha que chegou lá o Marcos Valério com duas agências quebradas e pediu: 'Me empresta aí 30 milhões de reais pra eu dar pro PT'? O que um dono de banco ia responder?" Valério se lembra sempre de José Augusto Dumont, então presidente do Rural. "O Zé Augusto, que não era bobo, falou assim: 'Pra você eu não empresto'. Eu respondi: 'Vai lá e conversa com o Delúbio'. " A partir daí a solução foi encaminhada. Os empréstimos, diz Valério, não existiriam sem o aval de Lula e Dirceu. "Se você é um banqueiro, você nega um pedido do presidente da República?" Foram essas mesmas credenciais palacianas, segundo ele, que lhe abriram as portas no Banco Central para interceder pela suspensão da liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de Pernambuco, que interessava ao Rural. Valério foi destacado para cuidar do assunto em Brasília. Uma tarefa executada com todas as facilidades e privilégios. "Valério chegou lá no Banco Central e foi atendido. Você acha que o Banco Central receberia um imbecil qualquer, dono de uma agência de publicidade quebrada?"
"Nojento e vexatório"
Hugo Marques


EX:  TESTEMUNHA - Lucas Roque, ex-funcionário do Rural: recibos escondidos pelo banco(Cristiano Mariz/VEJA)

superintendente do Banco Rural em Brasília, Lucas da Silva Roque foi um dos principais colaboradores nas investigações da Polícia Federal destinadas a desbaratar a quadrilha do mensalão. Foi ele quem revelou onde estavam os recibos que mostraram quais políticos receberam dinheiro para votar com o governo Lula no Congresso. Nesta entrevista, Roque conta que pagou um preço alto por agir de forma correta e relata um plano ambicioso urdido pela cúpula da instituição financeira em parceria com José Dirceu. Eles queriam montar um banco popular, do qual Rural e BMG seriam sócios, para conceder empréstimos consignados aos aposentados. Um negócio companheiro e bilionário.
TESTEMUNHA - Lucas Roque, ex-funcionário do Rural: recibos escondidos pelo banco
Por que o senhor decidiu ajudar a polícia? Não tinha nada a temer. Não entrei no jogo deles, não sou bandido. Fui mandado para a agência do Rural em Brasília para moralizá-la, porque ali estava uma bagunça. O que estava acontecendo no banco era acintoso, nojento e vexatório. O delegado disse que queria todos os documentos. Apontei onde estavam as caixas. Àquela altura, já estava tudo encaminhado para fazer sumir as provas, mandando-as de Brasília para Minas Gerais. Mostrei onde estavam os documentos e falei para o delegado que procurasse papéis também numa construtora, que servia de almoxarifado do banco.
Como a diretoria reagiu à sua colaboração com a PF? Fui atacado de tudo quanto é jeito. Me colocaram em um porão que não era uma agência bancária, depois em uma loja de shopping que foi fechada por ser irregular. Pior, mandaram me avisar que eu estava proibido de aparecer na diretoria do banco. Isso foi em outubro de 2005. Virei a Geni. Fui demitido em agosto de 2010. Eu, minha esposa e meus filhos fomos achincalhados na rua como mensaleiros. Tive sérios problemas de saúde, perdi meu casamento.
O senhor tinha relação de proximidade com Marcos Valério. Ele disse a algumas pessoas que teve um encontro com Lula na Granja do Torto. Vários encontros. É verdade? Sim, ele deixava para viajar para Belo Horizonte no sábado à noite para passar lá.
Levado por quem? Delúbio Soares, Silvinho Pereira e José Dirceu.
Quais eram os planos da cúpula do Banco Rural e dos petistas? Eles tinham um projeto de montar um banco popular com a CUT. Juntariam o Banco Rural, o BMG, a CUT. Era um projeto com capital de 1 bilhão de reais.
Quem capitaneava esse projeto? Eram os bandidos do mensalão. Como o PT não tinha cultura bancária, o Rural e o BMG seriam sócios. Um banco privado com a participação da CUT, que direcionaria todos os beneficiários do INSS para tomar dinheiro em empréstimos consignados nessa instituição popular. Quando o mensalão estourou, o projeto foi abortado.
 FONTE REVISTA VEJA...

A cabeça de Moro, capítulo I

Saiba quem é e o que pensa o homem que começou a derrubar o esquema das petrorroubalheiras


O JUIZ SERGIO FERNANDO MORO: seu mundo discreto começou a virar pelo avesso em 11 de julho de 2013, quando ele autorizou a polícia federal a fazer “escuta telefônica e telemática” contra um obscuro doleiro
O JUIZ SERGIO FERNANDO MORO: seu mundo discreto começou a virar pelo avesso em 11 de julho de 2013, quando ele autorizou a polícia federal a fazer “escuta telefônica e telemática” contra um obscuro doleiro(Laílson Santos/VEJA)
De 11 de julho de 2013 para cá, o juiz Sergio Moro tornou-se uma celebridade nacional. Não há semana em que não tenha um convite para falar em algum evento, e a inclusão de seu nome na lista de palestrantes é garantia de casa cheia. Não há lugar público - restaurante, aeroporto, fila de táxi - em que ele não seja aplaudido por populares. Em 2015, sua figura ganhou ainda mais preeminência em função do contraste entre sua distinção pública e as mentiras e pontapés e manobras e bandalheiras gerais que cobriram Brasília de escárnio. Com a notoriedade, Moro teve de abandonar o hábito de ir para o trabalho de bicicleta. Está um pouco mais gordo e, apesar da timidez pétrea, um pouco mais desinibido. Ganhou traquejo no trato com a imprensa, que sempre o cerca nos eventos públicos com flashes e perguntas, e também se habituou ao assédio do público, que o cumula de pedidos de selfies e autógrafos.
A mudança mais relevante, porém, nesses dois anos e meio, é também a mais sutil: Moro tornou-se um juiz mais duro, não na dosimetria das penas, mas na acidez das críticas que agora permeiam suas sentenças, e tornou-se, também, um juiz mais indignado com o cortejo de tramoias que contaminam o processo democrático. As sentenças dos 1 200 processos em que atuou em quase vinte anos de carreira constituem uma longa crônica dessa lenta mutação. Para examinar esse universo, VEJA escalou Susana Camargo, pesquisadora-chefe da revista, para colher o maior número possível de sentenças dadas por Moro de 2000 para cá. Vasculhando-as já em formato digital e não descartadas pela Justiça, Susana reuniu 300 sentenças prolatadas por Moro nos últimos quinze anos. A primeira é de 5 de fevereiro de 2000. A última, de 2 de dezembro passado.
A leitura minuciosa das 300 sentenças mostra que Moro escreve, em média, doze páginas por decisão. Em proporção, condena mais os homens do que as mulheres. Seus críticos propagam que é um juiz tão implacável que, em suas mãos, até Branca de Neve pegaria prisão perpétua, mas Moro, ao contrário, nunca aplica a pena máxima e, de vez em quando, recorre à pena mínima. Normalmente, sentencia os condenados a "penas pouco acima do mínimo mas ainda distantes do máximo", como costuma escrever. Sempre que pode converte a reclusão em prestação de serviço à comunidade. Escreve as sentenças com ordem e clareza, de modo que os condenados possam lê-las e entendê-las. Não usa palavrões como "interpretação teleológica" ou "hermenêutica jurídica" e quase nunca emprega expressões em latim, cujo uso abusivo é tão corriqueiro no juridiquês nacional.
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Da leitura das sentenças, que são sempre escritas pelo próprio Moro, surge um panorama que expõe a complexidade de um juiz que procura combinar rigor e generosidade e atender às necessidades urgentes de um país que se paralisou na impunidade e permitiu que a corrupção atingisse níveis grotescos. Nisso, constata-se que a carreira de Moro divide-se em três grandes etapas, cada qual com seus ensinamentos. A seguir, o que elas dizem sobre a cabeça do magistrado.
Do começo até 2002 - Empossado como juiz em 1996, Moro, então com apenas 24 anos, teve uma passagem rápida por Curitiba e foi trabalhar no interior, em Cascavel, no Paraná, e Joinville, em Santa Catarina. Suas sentenças dessa época mostram um magistrado idealista e inclinado à promoção da justiça social. Deu várias sentenças que lidavam com questões de caráter social. Ao portador do vírus HIV que pretendia aposentar-se como inválido, Moro disse não. À vítima de microcefalia que pleiteava um benefício financeiro maior do governo, Moro disse sim. Nesses anos iniciais, tomou decisões claramente motivadas por sua preocupação em oferecer alguma proteção aos mais vulneráveis. Na vara previdenciária, chegou a ser conhecido como "o juiz dos velhinhos", por sua tendência a julgar a favor deles e contra o INSS. Decidiu que menores órfãos tinham direito a pensão do INSS em caso de morte dos avós. Insurgiu-se contra o critério dos programas de renda do governo que brindavam os pobres com um benefício superior ao concedido aos idosos e portadores de deficiência física, que também eram pobres.
Em sua agenda também entraram casos de fraude do INSS e sonegação do imposto de renda. Nisso, revelou-se um juiz sensível aos rigores do mercado, mas com limites. Quando empresários enrolados descontavam imposto ou contribuições sociais de seus empregados e deixavam de repassar os recursos ao governo, Moro quase sempre os absolvia se as irregularidades decorressem de dificuldades financeiras reais da empresa. Do contrário, aplicava-lhes "penas pouco acima do mínimo mas ainda distantes do máximo" e as substituía por serviços à comunidade. Mas, quando condenou uma companhia telefônica, a Telesc, a reabrir um serviço de atendimento ao público, cujo fechamento prejudicava os moradores mais humildes, fez questão de defender uma tutela moderada sobre a iniciativa privada. Citando o constitucionalista americano Cass Sunstein, democrata que trabalhou no governo Barack Obama, Moro escreveu: "Mercados não devem ser identificados aprioristicamente com a liberdade; eles devem ser avaliados segundo sirvam ou não à liberdade".
Para um juiz acusado pelos adversários de favorecer os tucanos, é interessante notar que Moro assinou sentenças que poderiam ter desmantelado o Plano Real, a obra máxima do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Num caso de junho de 2001, dez servidores públicos pediram a correção da tabela do imposto de renda desde 1996, ano em que o Plano Real congelara os reajustes. Na sentença, Moro contestou o dogma segundo o qual a atividade judicial não pode assumir o lugar dos legisladores, que aprovaram lei proibindo qualquer correção, e atendeu ao pleito dos servidores públicos, condenando a Fazenda Nacional a restituir tudo o que cobrara a mais. Em outro caso, de abril de 2002, o autor da ação judicial contestava a decisão do governo, de 1997, de desindexar o valor das aposentadorias e pedia reajuste pelo IGP. Na sentença, Moro censurou o governo pela adoção de índices sem transparência, afirmou que a preservação do valor real das aposentadorias era uma garantia constitucional e, para fechar o raciocínio, lembrou a "célebre advertência" do juiz John Marshall, presidente da Suprema Corte americana, inscrita numa decisão de 1819: "Não podemos esquecer que é uma Constituição que estamos interpretando". Moro aceitou o reajuste pelo IGP e mandou o governo pagar a diferença. Na época, reindexar a economia e criar gatilhos automáticos de reajustes era tudo o que o governo pretendia evitar. Se as sentenças de Moro tivessem prevalecido nacionalmente, o governo FHC teria tido desfecho bem diferente.

A cabeça de Moro, capítulo II: De 2003 até 2012

NEM TARDA - Moro, num momento de descontração com seus alunos da faculdade de direito da Universidade Federal do Paraná: sua admiração pela Justiça americana decorre sobretudo da eficácia, pois ali réus são julgados e absolvidos, ou condenados, sem delongas nem preliminares infindáveis
NEM TARDA - Moro, num momento de descontração com seus alunos da faculdade de direito da Universidade Federal do Paraná: sua admiração pela Justiça americana decorre sobretudo da eficácia, pois ali réus são julgados e absolvidos, ou condenados, sem delongas nem preliminares infindáveis (VEJA.com/VEJA)
Em 12 de junho de 2003, Moro assumiu a primeira vara especializada em crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro, em Curitiba. Pela escassa promessa de projeção e farta carga de trabalho, o novo cargo era desprezado por quase todos. Moro não tinha nenhum conhecimento especial sobre o assunto, mas aceitou o desafio. A criação da vara respondia a uma demanda crescente, sobretudo no Paraná. Dos 1 502 processos de lavagem de dinheiro que tramitavam nos três estados do Sul, 803 eram no Paraná, efeito da Tríplice Fronteira e do uso intenso de uma modalidade então muito disseminada de conta, apelidada de CC5, através da qual se podia remeter dinheiro ao exterior. Quando Moro tomou posse, havia apenas um réu definitivamente condenado por lavagem de dinheiro em todo o país. Um só. Estimava-se que empresas de fachada lavavam 10 bilhões de dólares por ano, sem ser incomodadas. Uma farra. Moro, aparentemente um pouco mais descrente da natureza humana do que antes, faria intervenções cirúrgicas para mudar radicalmente a paisagem de impunidade.
Na nova função, Moro continuou atuando no seu primeiro caso de repercussão nacional: o escândalo do Banestado, um gigantesco escoadouro clandestino de dinheiro para o exterior cujos valores superam com folga as petrorroubalheiras. Também trabalhou no caso que desmantelou a quadrilha do traficante Fernandinho Beira-Mar, que encarnava a versão brasileira mais próxima de um Pablo Escobar. No Banestado, Moro aprendeu muito, mas também se decepcionou muito com o prende e solta tão típico da realidade brasileira. Começou aí a amadurecer conceitos e ideias que, mais tarde, se tornariam parte de sua identidade profissional. Diz um advogado paranaense: "Os erros que Moro cometeu no Banestado, ele está evitando na Lava-Jato". A delação premiada, por exemplo, surgiu no caso Banestado. Em 16 de dezembro de 2003, o indefectível Alberto Youssef, o doleiro de todos os escândalos, assinou acordo de delação premiada, quando ainda nem havia lei que regulamentasse o instituto. Em dezembro de 2009, Moro escreveu numa sentença que Youssef era um "notório criminoso" e carecia de "elevada credibilidade", mas já então recomendava que se ouvisse o que tinha a dizer sob pena de que nunca se desvendassem crimes de corrupção. Moro também se tornou um dos poucos juízes brasileiros que já trabalharam num caso em que o delator virou infiltrado, como aparece nos filmes americanos. O acusado num caso de fraudes em um consórcio no Paraná fez o acordo de colaboração, deixou a prisão e recebeu instruções de obter mais informações junto aos criminosos. A infiltração, porém, não rendeu o esperado.
Entusiasta da delação premiada, Moro sempre a defende em suas sentenças fazendo referência ao juiz americano Stephen Trott, autor de um estudo sobre o assunto que o próprio Moro traduziu para o português. O trecho de defesa tem quatro parágrafos. Moro aplica o Ctrl C + Ctrl V, o famoso copia e cola, e reproduz o mesmo trecho, idêntico, sentença após sentença. Leva à risca a condição segundo a qual o conteúdo do testemunho de um delator só vale se for corroborado por prova independente. Em abril de 2010, absolveu dois acusados de evasão de divisas porque o relato do delator era o único elemento contra os réus. Escreveu: "Embora o relato até soe verossímil, não foi produzida a necessária prova de corroboração". Para a turma presa em Curitiba, essa exigência talvez seja uma boa notícia.
A má é que Moro já condenou um réu com base na "teoria do domínio do fato", a mesma que causou tanta controvérsia ao ser usada pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa na condenação de José Dirceu no mensalão. Num caso desimportante de contrabando e falsificação de nota fiscal, Moro condenou o réu a "pena um pouco acima do mínimo legal", converteu-a em serviço à comunidade e explicou a lógica da condenação: "Autor do crime não é apenas o executor material, mas também quem tem domínio sobre o fato delitivo". A diferença, em relação a Joaquim Barbosa, é que no caso de Moro o "domínio do fato delitivo" por parte do réu era inteiramente incontroverso. Em 2012, Moro trabalhou nos bastidores do mensalão, auxiliando a ministra Rosa Weber. Viu, com lupa, as entranhas de uma engrenagem ilegal que, então, parecia gigantesca.
Nessa fase intermediária de sua carreira, suas sentenças foram ficando mais técnicas, mais frias. Criou, ou passou a externar com mais liberdade, uma aversão a tudo o que lhe parece uso abusivo de direitos e garantias. Em outubro de 2008, um réu que se recusara a fazer o teste do bafômetro defendeu-se alegando que tinha o direito de não produzir prova contra si, o mesmo princípio do direito de ficar calado. Moro derrubou a tese. Alegou que o direito ao silêncio se refere apenas à comunicação e, portanto, não protege quem, por exemplo, se nega a fornecer sangue para um exame de DNA. Para Moro, nem a liberdade é um direito ilimitado, pois a prisão é cabível, mesmo antes do julgamento, sempre que há prova irrefutável de que o interesse coletivo ou individual pode ser ofendido. Ele acha que a presunção de inocência é interpretada com excessiva liberalidade pelos magistrados brasileiros. E acredita que o direito a apelar em liberdade contra uma sentença deveria ser uma exceção, e não uma regra, como acontece hoje. O próprio direito à defesa precisa ser exercido dentro de limites razoáveis. Em agosto de 2011, Moro censurou duramente a defesa de um réu que arrolou testemunhas espalhadas por diversas cidades do território nacional, indicando nomes e endereços errados ainda por cima, com o único propósito, suspeitou Moro, de retardar o processo. Em outra ocasião, explicitou na sentença que o direito à defesa não inclui o direito de produzir provas "impossíveis, custosas, protelatórias". Moro também se tornou impaciente com defensores que se concentram em aspectos formais do processo e nunca enfrentam o mérito da acusação. Nas 300 sentenças que VEJA examinou, não há uma única em que Moro tenha aceitado alguma medida com remota aparência de manobra para adiar o processo.
Na vara da lavagem de dinheiro, Moro amadureceu seu entendimento sobre crimes do colarinho-branco, que estudou a fundo e passou a considerar tão ou mais danosos à sociedade que a criminalidade comum das ruas. Embasa sua posição no estudo clássico do sociólogo americano Edwin Sutherland, publicado em 1949, no qual se lê: "Crimes do colarinho-branco violam a confiança e, portanto, criam desconfiança, o que diminui a moral social e produz desorganização social em larga escala. Outros crimes produzem efeitos relativamente menores nas instituições sociais ou nas organizações sociais". Em mais de uma sentença, Moro recorreu ao Ctrl C + Ctrl V do trecho em que define o colarinho-branco. Nele, além de citar Sutherland, queixa-se de que a jurisprudência brasileira "não é rigorosa" e a prisão preventiva, para criminosos de colarinho-branco, deveria ser quase um imperativo.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Pará: 55 prefeituras na mira do MP e do GAECO, Parauapebas é uma das principais


“Eu tenho certeza de que em todas essas investigações (sobre as 55 prefeituras) eu vou descobrir fraude. Dificilmente vamos conseguir reaver esse dinheiro, mas vamos tentar. E eu acho que, hoje, o mais importante é buscar o dinheiro. A condenação vem tardiamente, a desgraça já está feita. Temos que trabalhar para evitar que o prefeito (que está desviando dinheiro público) continue (no cargo)”...

(Procurador Nelson Medrado)


CORRUPÇÃO Desvio de recursos é a principal acusação que pesa sobre os gestores

Leia a matéria completa AQUI no MPPA

(DILSON PIMENTEL Da Redação de O Liberal)

Das 144 prefeituras do Pará, 55 delas estão sob investigação do Ministério Público do Estado do Pará (MP/PA). A principal acusação que pesa contra os gestores desses municípios é o desvio de recursos públicos. Para justificar a saída desse dinheiro, que não foi empregado em obras para beneficiar os moradores, eles fraudam processo licitatórios. É o que afirma o procurador de justiça cível Nelson Medrado, coordenador do Núcleo de Combate à Improbidade Administrativa e Corrupção (NCIC), do Ministério Público do Estado. Ele cita o Portal da Transparência, uma exigência legal para que os moradores das cidades acompanhem a destinação dos recursos públicos. Medrado explica que, conforme a Lei de Acesso à Informação, os municípios têm que manter o Portal da Transparência. Um grupo formado pela Controladoria Geral da União, Universidade Federal do Pará (UFPA), Tribunal de Contas dos Municípios, Observatório Social e Ministério Público do Estado analisou a situação dos municípios. Esses órgãos se reuniram este mês e, de um ano para cá, a situação melhorou, “mas nenhum município atende ainda às exigências legais para se ter um portal da transparência dito legal. Para o Ministério Público, a falta de luz só é querida por aqueles que cultivam os maus procedimentos. Se os municípios não atendem a lei da improbidade. Para mim, não é coincidência. É uma questão pensada”, diz.

Ele acrescenta: “O primeiro movimento para poder fraudar as contas públicas é não ter transparência. Nós notamos que os prefeitos estão contratando empresas, porque estamos ameaçando processá-los. Eles contratam empresas para manter o Portal da Transparência. E a empresa contratada não mantém o Portal da Transparência. Não ter o portal é o primeiro passo para a improbidade. E nenhum município do Estado do Pará atende todas as exigências legais para um Portal da Transparência”. O procurador Nelson Medrado afirma que, não existindo o portal, o cidadão não tem como fazer o controle dos gastos públicos. “E, aí, você aposta na impunidade. E, apostando na impunidade, você lança mão dos recursos públicos. De svia, faz caixa dois, enriquece ilicitamente, causa prejuízo ao erário”, afirma.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

TCU abre investigação sobre usinas contratadas por Delcídio na Petrobras

O Tribunal de Contas da União, por despacho do ministro Benjamin Zymler, decidiu abrir investigação sobre as usinas térmicas compradas pelo senador Delcídio do Amaral (PT-MS) quando ele era diretor da Petrobras, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) -à época, Delcídio era filiado ao PSDB.
Na quinta-feira (10), a Folha de S.Paulo revelou que as quatro termelétricas contratadas pelo senador geraram um prejuízo à estatal maior do que a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.
Juntas, as térmicas Macaé Merchant (atual Mário Lago), TermoRio, Eletrobolt (atual Barbosa Lima Sobrinho) e TermoCeará custaram à Petrobras R$ 5 bilhões, enquanto que Pasadena lesou a companhia em R$ 3 bilhões (em valores atuais).
Zymler -que foi relator do acórdão do TCU que aceitou as contas apresentadas por Delcídio e Ernesto Cerveró, seu subordinado à época das contratações, e os isentou das responsabilidades sobre os prejuízos- determina à área técnica do tribunal que investigue os contratos de compra das turbinas utilizadas nas termelétricas.
A francesa Alstom, citada na delação premiada de Cerveró como pagadora de US$ 10 milhões em propina ao senador, foi uma das fornecedoras contratadas.