domingo, 30 de outubro de 2011

CONCEITOS E DEFINIÇÕES SOBRE A CORRUPÇÃO


Corrupção, corrupto e corruptor. Do ponto de vista etimológico, o que essas três
palavras teriam de comum e de diferentes entre si? E da parte da filosofia e da política? Será
que as definições atribuídas a elas convergem para um mesmo significado ou para
significados distintos? Por fim, o que nos diz a história acerca de tais conceitos,
principalmente no que se refere à sociedade brasileira?
Estas indagações aparecem aqui como o prenúncio de um tema deveras complexo e
amplo; e também, por que não dizer, paradoxal: o combate à corrupção no Brasil.
Partindo da etimologia, a palavra corrupção provém do latim – corruptione – e
significa ato ou efeito de corromper; decomposição, putrefação. Ou devassidão, depravação,
perversão. Ou ainda, suborno, peita. Corrupto figura como um adjetivo – que em latim se
escreve corruptu – atribuído àquele que sofreu corrupção; ou àquilo que está podre, estragado,
infectado. Cabe, ainda, como sinônimo de devasso; de depravado, de corruptível (em se
tratando daquele que é capaz de se deixar subornar; venal, corrupto) e de errado, viciado (em
se tratando de linguagem). E corruptor (do latim corruptore), dentro dessa análise, também é
identificado como adjetivo pertinente àquele que corrompe, que altera textos, que suborna,
que peita.1
No que tange à filosofia, o termo corrupção – a análise isolada de corruptor e corrupto
já não se faz aqui mais relevante uma vez que já se identificou que o primeiro é o agente e o
segundo o paciente da ação de corromper –, como bem coloca Aristóteles, significa “a
mudança que vai de algo ao não-ser desse algo; é absoluta quando vai da substância ao nãoser
da substância, específica quando vai para a especificação oposta.”2 Ou seja, Aristóteles vê
a corrupção como uma modificação na ordem natural das coisas, como uma espécie de desvio
de conteúdo.
Em A Política, onde Aristóteles faz um Exame das Duas Repúblicas de Platão, é
colocado por Sócrates que “é da ordem da natureza que nada seja eterno e tudo mude após
certo período de tempo.”3 De fato, o próprio Sócrates, em seu diálogo com Glauco acerca da
origem da sedição, afirma que “difícil é, com certeza, que se altere a constituição de uma
república como a vossa. Mas, como tudo que nasce está sujeito à corrupção, esse sistema de
governo [a aristocracia], por excelente que seja, não durará para sempre.”4
Sócrates, que se faz pronunciar através de Platão, falava da transição da aristocracia
para a timocracia. Esta, por sua vez, foi uma forma utilizada por Platão para designar a
transição entre a constituição (a aristocracia) e as outras três formas mais tradicionais e
corruptíveis: a oligarquia, a democracia e a tirania – na realidade histórica de seu tempo, a
timocracia estava representada, em especial, pelo governo de Esparta, aquele que Platão
admirava e o tomara como modelo para descrever a sua república ideal.
Definida como um governo ambicioso, a timocracia herdara, segundo Sócrates, um
pouco da aristocracia e, também, da oligarquia:
“seus habitantes serão ávidos de riquezas, como nos Estados oligárquicos, grosseiros
adoradores do ouro e prata, que esconderão em lugares sombrios, ocultos em cofres e tesouros
privados”5; e “o que terá de próprio será o temor de elevar os sábios às primeiras dignidades.”6
(Os homens da sociedade timocrata serão todos marcados pelos vícios).
Em sua crítica, Aristóteles concorda que “pode haver homens tão mal nascidos que
sejam incapazes de qualquer instrução e de qualquer virtude”7, porém, ele era contrário ao
fato de que tais transformações
“se davam à avareza e à ambição dos que estão investidos das magistraturas públicas. Antes
acontecem [dizia ele] porque os que superam os demais em riqueza não gostam que os pobres
tenham uma parte igual no governo.8 E conclui que “o que leva à sedições e à revoluções,
mesmo entre aqueles que não consumiram suas riquezas, é a exclusão dos cargos públicos, são
os outros tipos de injustiças, é a excessiva liberdade ou licença de fazer impunemente tudo o
que se quer.”9
Tal conclusão é relevante, pois, sob o olhar da Igreja Ocidental, o homem se
corrompeu por não saber fazer bom uso da sua liberdade: quando “saído das mãos de Deus
como criatura livre, ao usar a liberdade provocou a sua queda e, ao mesmo tempo, a ruína do
mundo harmonioso criado por Deus.”10 Logo, sob esse prisma, a corrupção vem a ser o
resultado da liberdade excessiva e da falta de preparo do homem em lidar com ela. Todavia,
não podemos nos esquecer que Aristóteles fora um árduo defensor da propriedade dos bens e
um grande desafeto de Platão: enquanto seu mestre se inclinava às construções sociais
imaginárias, utópicas, Aristóteles procurava tratar das coisas reais, dos sistemas políticos
existentes na sua época, procurando por classificá-los, por definí-los através de suas
características mais proeminentes, por separá-los em puros ou pervertidos; enquanto Platão
inspirava revolucinários e doutrinários da sociedade perfeita, Aristóteles era o mentor dos
grandes juristas e dos pensadores políticos mais inclinados à ciência e ao realismo.
Numa linguagem mais moderna, corrupção seria um desvio de conduta (de
comportamento) praticado por um indivíduo que, agindo de maneira a auferir qualquer
espécie de lucro (vantagem), não hesitaria em lançar mão de expedientes escusos para atingir
seus objetivos, ainda que estes fossem de encontro a tudo que a sociedade conhece por certo e
justo. Nestes termos, cabe aqui uma digressão acerca do que seja considerado certo e justo para a sociedade.
Bem se sabe que em toda sociedade padrões de conduta (regras) são estabelecidos
como forma de se evitar sedições e revoluções. Tais padrões, após serem transcritos, passam a
ser conhecidos por normas jurídicas. Estas, por sua vez, devem corresponder às necessidades
e anseios da maioria de forma que todos se sujeitem a elas e, através dessa sujeição, possam,
enfim, serem validadas formalmente e legitimadas. Feito isto, tudo o que rezar tais normas
passa a ser considerado como certo e justo pela sociedade, inclusive suas sanções; ficando
estabelecido, assim, um conjunto de obrigações recíprocas (direitos e deveres) entre Estado e
sociedade.11
A corrupção se insere nesse contexto, “como a deturpação de um objeto, através de um
comportamento que desrespeita àquela norma, motivado pelo desejo de se obter vantagem
indevidas”.12
Isto posto, o Código Penal Brasileiro, bem como a legislação pertinente, elencam uma
série de delitos que se caracterizam como corrupção: a corrupção sexual; a corrupção de
menores; a corrupção na administração pública; etc. Neste último caso em particular, o
Código Penal (1940), em seu Título XI, define quais sejam os Crimes Contra a
Administração Pública: peculato (Art. 312); extravio, sonegação ou inutilização de livro ou
documento (Art. 314); emprego irregular de verbas ou rendas públicas (Art. 315); concusão
(Art. 319);corrupção passiva (Art.317); facilitação de contrabando ou descaminho (Art. 318);
prevaricação (Art. 319); condescendência criminosa (Art. 320); advocacia administrativa (Art.
321); exploração de prestígio (Art. 332); corrupção ativa(Art. 333); etc. Isso sem se falar da
Lei nº 4.717, de 26 de junho de 1965, que regula a ação popular, e do Decreto-Lei nº 201, de
27 de dezembro de 1967, que trata da responsabilidade dos prefeitos e vereadores. Ou da Lei
nº 7.347, de 2 de julho de 1985,que trata da ação civil pública, da Lei nº 7.492, de 16 de junho
de 1986, que aborda sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional e da Lei nº 8.137, de
27 de dezembro de 1990, que discorre sobre os crimes contra a ordem tributária e econômica.
Ou ainda, das Leis nº 8.429 (02/06/1992) e 9.613 (03/03/1998), que tratam dos casos de
enriquecimento ilícito de agentes públicos e dos crimes de lavagem ou ocultação de bens,
direitos e valores, respectivamente.
Sob a órbita da política, não podemos falar de corrupção e, principalmente, atribuir-lhe
uma definição, sem antes analisarmos a questão da verdade e da mentira dentro daquilo que
denominamos ética e política.
Em que se fundamenta a verdade e o que justifica a mentira? O que leva uma
determinada pessoa a praticara uma boa ou má ação dentro do contexto ético-político? Os
argumentos de natureza ética estão fundamentados ora em princípios preestabelecidos, ora em
resultados. Naquele nos deparamos com a ética de deveres, que corresponde à ética da
convicção, segundo Max Weber. Já neste prevalece a ética de fins a serem alcançados e que
vem legitimar a ética de responsabilidade, que para Weber seria a ética da política.13 Dessa
forma, para a política, a plena afirmação de uma ética de princípios (onde reina a verdade)
equivaleria à sua total subjugação à moral; ao passo que, em contrário, prevalecesse a ética da
responsabilidade (onde a mentira é vista como um mal necessário, circunstancial), isso
importaria na autonomia da política face à moral, ou até mesmo na redução desta em relação à
política.14
O conceito de verdade no topos da ética da política é relativo – para toda regra há
sempre uma exceção; já no topos da ética da convicção ele é absoluto. A ética da
responsabilidade conduz o político á ação, pois é esta mesma ação, no contexto da res pública
(da coisa pública), que a fundamenta. Mas essa ação não se dá de maneira desorientada, antes,
porém, ela se pauta no Direito. Assim, o que determinará se essa ação é boa ou má será a
adequação dos meios aos fins perseguidos15; ou seja, se o resultado da ação fora atingido de
acordo com os parâmetros legais.
Devemos ter em mente que, para a política, o que prevalece são os resultados. O
problema da ética de responsabilidade assenta-se exatamente na determinação dos resultados;
ou melhor, na avaliação dos resultados de ações que vão contra os princípios não dirimíveis
pelo tempo e pelos historiadores, como, por exemplo, a dicotomia entre a verdade (absoluta) e
a mentira (lícita) na defesa da verdade factual. Isso termina pondo em xeque a coincidência
entre o real e o racional afirmada por Hegel: para Hegel
“a política é superior à moral, pois a moral é subjetiva e se realiza objetivamente na eticidade
do Estado, surge como irreal, uma vez que o ‘ser’ da lógica dos fatos nada parece ter haver
com o ‘dever ser’ da razão ética. Daí a percepção da descontinuidade que gera, no presente,
perplexidades em relação ao passado, e dúvidas em relação ao futuro. Entre estas perplexidades
e dúvidas estão as que dizem respeito aos temas recorrentes da relação entre a moral e a
política, e que são as de coerção provocada pelo emprego da mentira ou da violência.”16
Para concluirmos, abordaremos alguns dos argumentos que procuram justificara
prática da mentira dentro da esfera da política: em primeiro, a teoria platônica da mentira; em
segundo, o posicionamento maquiavélico; e por último, a colocação de Hannah Arendt sobre
a verdade factual.

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